De acordo com Karulliny Silverol Siqueira[20], nas décadas de 1840 e 1850, os grupos políticos capixabas ainda não se identificavam como liberais ou conservadores, mas sim com os nomes de seus líderes. A província encontrava-se, na opinião da autora, cindida em dois agrupamentos identificados como Bermurdistas, chefiados pelo Padre Inácio Bermudes, os Dionisianos, comandados pelo coronel Dionísio Rosendo[21]. Em 1856, os Dionisianos sofreram nova separação provocada por Francisco Monjardim que alegou ter sido traído quando os correligionários escolheram outro candidato à vaga de deputado geral. Monjardim aderiu ao grupo bermudista e converteu-se em um dos principais líderes da facção.
Em que pese as ponderações de Karulliny Siqueira[22], ao sul da Província, existiam outros dois grupos políticos identificados com seus líderes. Joaquim Marcelino da Silva Lima, rico fazendeiro emigrado de São Paulo para a capitania do Espírito Santo ainda criança, rivalizava-se com a família Gomes Bittencourt, poderoso clã de fazendeiros cujo braço político era João Nepomuceno Gomes Bittencourt[23]. Os dois líderes possuíam séquitos conhecidos, respectivamente, como arraias e macucos. Na década de 1840, quando José Marcellino Pereira de Vasconcellos atuou como delegado e juiz em Benevente, as duas facções encontravam-se consolidadas, embora não se possa distinguir o discurso como claramente liberal ou conservador. Apenas, como afirma Karulliny Siqueira[24], em fins de 1850 e inícios de 1860, a identificação com os líderes seria ultrapassada pelo perfilhamento ideológico, quando os arraias passaram a se apresentar como liberais e os macucos, como conservadores.
Em fins de 1850, houve a divisão nas fileiras dos grupos políticos em razão da disputa pela vaga junto à Assembleia Geral pela província. Durante a disputa eleitoral, o coronel José Francisco Monjardim, ambicionando o posto de Deputado Geral e prevendo a falta de apoio dentre seus tradicionais parceiros, os dionisianos, aproximou-se do velho padre Bermudes, também candidato. Venceu o pleito a chapa dionisiana formada por Antônio Pereira Pinto, como titular, e pelo padre Ignacio Rogrigues Bermudes, como suplente. O coronel Monjardim, no entanto, atribuía sua derrota a Dionízio Rozendo.
De toda sorte, o ingresso de liderança tão expressiva na fileira dos bermudistas abriu nova denominação para o grupo – o Partido Capichaba. Com o falecimento do padre em 1857, Monjardim passou a disputar com mais afinco a liderança da agremiação. Diante da nova dinâmica política, passaram a circular periódicos[25], quando se introduziu, consoante Karulliny Siqueira, “novo vocabulário político no cenário capixaba, utilizando a imprensa como doutrinária e propagadora de ideais políticos”[26].
No ano de 1860, a política capixaba voltaria a se agitar com a disputa eleitoral pelo cargo de deputado geral. Novamente, Antônio Pereira Pinto e o coronel Monjardim estavam dispostos a se enfrentarem em torno da vaga de representante da província na Assembleia Geral. O primeiro jornal a utilizar a linguagem doutrinária, na disputa política que se avizinhava, denominou-se A Liga e era claro órgão dos Dionizianos. As matérias concentravam-se contra o Partido Capichaba e apontavam José Marcellino, “sem contestação”, como o chefe daquela agremiação porque era sua “única inteligência”[27]. Em 1860, o jornal A Liga, registrou que Vasconcellos era o verdadeiro chefe do partido Capichaba, já o coronel Monjardim ocuparia a subchefia da facção[28]. Na guerra de posições políticas, informava-se que José Marcellino Pereira de Vasconcellos usava sua posição de oficial maior da secretaria de governo para manter correspondência frequente com o Correio Mercantil do Rio de Janeiro[29] que turvava as notícias sobre a política capixaba.
Como as duas facções políticas no sul da província eram lideradas por fazendeiros escravistas, Vasconcellos devia, por seu destacado papel no combate aos quilombolas, agradar ao mesmo tempo macucos e arraias. Elegera-se eleitor, juiz de paz, vereador e até deputado estadual com forte apoio do colégio do sul. Em 1856, já parecia ter optado por um dos lados quando obteve quase a mesma quantidade de votos que o vice-presidente de província, Ignacio Accioli, e manteve com ele disputa pelo cargo de subdelegado. Na eleição de 1857, Vaconcellos aparecia ao lado do coronel Monjardim na oposição aos dionizianos, que resultou, dentre outros fatores, na distinção doutrinária e ideológica entre liberais e conservadores.
José Marcellino de Vasconcellos já se sobressaía entre os capixabas como jornalista, editando folhas noticiosas e recreativas e publicava obras literárias e jurídicas. Pena que algumas das primeiras obras não tenham sobrevivido em algum arquivo para acompanhamento mais detido de sua trajetória. O periódico O Tempo, contudo, testemunha o amadurecimento e a inflexão ou virada na vida de José Marcellino. Quando acérrimo arraia ou liberal[30], nas palavras do amigo conservador Bazílio Daemon, Vasconcellos considerou, nas eleições primárias convocadas em 1863, o momento de pleitear seu lugar na Assembleia Geral. O partido capichaba, porém, investiu na candidatura do Dr. José Feliciano Horta de Araújo. Elegeram-se o desembargador José Ferreira Souto (titular) e Dr. José Feliciano Horta de Araújo (suplente).
Com a morte do desembargador Ferreira Souto em 1864, antes de se diplomar, teve-se que realizar novo sufrágio para a suplência de deputado geral da província. José Marcellino voltou a reivindicar junto ao Partido Liberal seu lugar no concurso da vaga. A preferência recaiu, para seu desgosto, sobre Pedro Leão Velloso[31], baiano, ex-presidente da província e influente político no Império. Demarcando a reviravolta no jogo político provincial, José Marcellino não desistiu do pleito, mesmo diante da deserção dos aliados liberais. Possivelmente, em articulação com o colégio de eleitores do sul, Vasconcellos recebeu o apoio dos conservadores, com as bênçãos do líder do grupo em Vitória, Dionysio Rozendo, e conseguiu se eleger deputado geral pelo Espírito Santo. Vasconcellos completava 43 anos no ano em que ascendeu ao topo de sua carreira política.
Outra carreira consolidava-se naquela altura, a de intelectual e autor de sucesso no Império. Desde a década de 1850, José Marcellino afirmara-se profissional e intelectualmente. Sua carreira fora laureada com diversos títulos, como a Ordem da Rosa (1860), a nomeação para o Instituto Histórico da Bahia (1858), o Instituto Scientífico de São Paulo (1863) e o Instituto Archeologico Geographico Alagoano (1870). Associou-se à Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (1862) e à loja maçônica Mysterio, no Valle dos Benedictinos. Miguel Thomaz Pessoa[32] associa a viagem a São Paulo na década de 1860 a certa virada na vida de José Marcellino, quando a imprensa passará a ocupar lugar mais central, tanto como periodista, editor e autor de livros jurídicos.
Destaca-se na carreira de José Marcellino seu papel na imprensa capixaba, e sua face de jornalista foi fundamental na afirmação de seu papel como autor de livros jurídicos. O rábula participara ativamente da implementação da imprensa no Espírito Santo. Além de contribuir para a produção dos primeiros jornais na província no final da década de 1840, O Estafeta e Correio da Victória, também foi proprietário e redator de outras folhas diversas, como o Semanário, o Tempo, Espírito-Santense, ao longo das três décadas seguintes[33]. Ao lado, portanto, da carreira no serviço público, o jovem José Marcellino iniciara na juventude a militância no campo da imprensa.
Além de jornalista e político José Marcellino Pereira de Vasconcellos personaliza os primeiros passos da província capixaba na aventura de editar livros e periódicos. A característica de autor e editor em nosso personagem não constitui singularidade no Império. Vendedores de artigos de papelaria, livreiros, donos de tipografias tornavam-se editores e, nesse trânsito de funções, havia ainda os autores ciosos de fazerem circular ideias e projetos que montavam suas próprias editoras ou livrarias[34].
Compreender a trajetória desse intelectual capixaba talvez seja melhor encaminhada se observada sua produção literária. A bibliografia é formada por um conjunto de 25 obras publicadas, 20 possuíam como tema matéria jurídica, uma consistia em discurso proferido na Câmara de Deputados, em 1866, uma era a coleção de poesias antigas e modernas do Espírito Santo,[35] outra, didática[36] e, finalmente, duas de cunho histórico.[37] Entre os anos de 1855 e 1869, Vasconcellos produziu pelo menos duas dezenas de obras na área do Direito. Tratavam-se de manuais e guias destinados à prática judiciária e ao desempenho de funções públicas, como os próprios títulos ilustram.
O êxito das obras de José Marcellino pode ser avaliado pelo número de edições. Dos 20 títulos inventariados, 12 tiveram pelos menos mais de duas reedições, sendo que dois destes galgaram sete ou mais tiragens. Nesse quesito, se destaca o Novo Advogado do Povo, que obteve nada menos do que 11 edições, sendo grande parte delas impressas após seu falecimento, em 1874. A primeira publicação data de 1855 e, pela indicação no prefácio, a sexta edição já se configurava versão póstuma que fora atualizada por autor anônimo, identificado como “um jurisconsulto”.[38] O sucesso de venda fora comemorado pelos editores no prefácio da 11ª edição, de 1912, que agradeciam a “aceitação quase geral”[3] do livro mesmo após quatro décadas de seu lançamento.